Giuliana Capello - 13/11/2007 às 08:10
Essa mania que a humanidade tem de achar que é superior a tudo o que está ao seu redor é a razão da nossa cegueira ambiental. Quantas vezes deixamos escapar boas oportunidades porque encaramos a solução como um problema? Na Permacultura, há um princípio que diz que a solução está no problema. E como faz diferença pensar assim!
Tempos atrás, eu e meu marido compramos um terreno na Ecovila Clareando, onde hoje estamos construindo nossa casa. Como havia remanescentes de florestas na ecovila, o antigo pasto da propriedade foi destinado à área dos lotes dos futuros moradores. E, assim, havíamos comprado 1.000 m² de capim. Um problema?
Não aos olhos do especialista em agrofloresta, Ernest Götsch. Mas essa história eu deixo meu marido contar, a seguir, nas palavras dele…
Foi no curso sobre agroflorestas que fiz com o jardineiro Ernest Götsch, no Instituto Visão Futuro, há pouco mais de um ano. As palavras podem não ter sido bem essas, mas o que fica desses momentos mágicos não é a letra, e sim, um lampejo de sabedoria que, às vezes, nos é dado vislumbrar.
Eu estava preocupado com o terreno que acabara de comprar. Mil metros quadrados de um antigo pasto, tomado por um denso tapete de capim braquiária que, na ocasião, batia na minha cintura. Para quem não conhece essas coisas da roça, o capim braquiária tem fama de ser durão. Limpar um terreno coberto por ele é uma missão dificílima, porque não importa o que ocorra, a braquiária sempre volta a brotar. Naquela época, eu esperava que ele me ajudasse a resolver o problema.
- Ernest, como nós podemos usar os conceitos de sistemas agroflorestais para combater a braquiária?
Sob o chapéu de tecido branco, o suíço fez cara de espanto:
- Mas, porque você quer combater a braquiária? Na natureza não existem pragas, já que tudo tem o seu lugar. A natureza não funciona por competição, como ensinam na biologia. Ela funciona por amor e cooperação. Com a braquiária não é diferente.
- Como assim?
- Como assim?
- A braquiária não nasceu ali porque quis. Alguém a trouxe e lhe deu uma missão: alimentar o gado. E ela cumpriu essa missão com muita honra. Veio o boi, comeu suas folhas e elas rebrotaram; depois ela foi pisoteada pelo gado e renasceu; veio o fogo e ela se regenerou. Ela sempre cumpriu a missão que lhe foi dada e ainda garantiu que o solo jamais ficasse descoberto, protegendo-o da erosão. Ela não é uma praga, mas uma trabalhadora devotada, que cumpre sempre o seu papel, não importa o que aconteça.
- Mas, agora, o terreno não é mais um pasto e nós queremos plantar outras coisas nele.
- Abra algumas clareiras entre a braquiária e plante. Quando suas plantas crescerem ela vai perceber que sua missão já foi cumprida e que o solo está seguro porque as outras plantas vão tomar o lugar que ela deixar. Assim, ela vai, amorosamente, se despedir e dar espaço às outras espécies que virão sucedê-la. Ela não vai competir com elas porque sabe que a sucessão natural deve continuar. Ela dará sua vida para que a vida continue, assim que for sombreada pelas outras plantas. Ainda deixará sua palha e suas raízes ricas em nitrogênio no solo, como um presente para as futuras gerações que ocuparão aquela terra.
Foto: Amor e cooperação. Na natureza, tudo tem seu lugar. Com os ensinamentos de Ernst, começamos a plantar feijão-guandu, abacaxi e boldo entre a braquiária que, solidária, vem se despedindo.
Fonte: Planeta Sustentável